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A criação da ação declaratória de legalidade e a nova competência do STJ

A reforma tributária, ao longo de sua trajetória legislativa, buscou não apenas modernizar o sistema tributário, mas também implementar uma série de mudanças significativas no âmbito processual da matéria tributária

A reforma tributária, ao longo de sua trajetória legislativa, buscou não apenas modernizar o sistema tributário, mas também implementar uma série de mudanças significativas no âmbito processual da matéria tributária.

Um exemplo é a nova competência atribuída ao Superior Tribunal de Justiça pelo artigo 105, I, “j”, da Constituição da República, introduzida pela Emenda Constitucional nº 132/23 (EC 132/23), para processar e julgar, originalmente, os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), relacionados aos tributos previstos nos artigos 156-A e 195, V, da Carta Magna, a saber, o IBS e a CBS.

Ciente desta nova atribuição e reconhecendo que a destinação da arrecadação dos referidos tributos mudará da origem (onde ocorre a produção ou as empresas estão sediadas) para o destino (onde ocorre o consumo do bem o serviço), o governo federal está preparando uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com o objetivo de combater a multiplicação das demandas judiciais decorrentes das futuras mudanças trazidas pela reforma tributária. Dentre os pontos principais da PEC está a criação da ação declaratória de legalidade (ADL), cuja competência para julgamento será do Superior Tribunal de Justiça.

A introdução da ADL, a definição de sua competência ao STJ e a nova competência atribuída também ao STJ para resolver o conflito entre os entes federados representam marcos de extrema relevância na evolução do sistema jurídico brasileiro, especialmente no contexto da segurança jurídica e da estabilidade das relações tributárias, fatores tão escassos nos dias atuais.

A ADL surge como um mecanismo processual inovador destinado a proporcionar maior clareza e previsibilidade tanto para os contribuintes e quanto para a administração pública. Seu objetivo é permitir a declaração de legalidade de ato normativo ou de interpretação de lei nacional relacionada ao IBS e à CBS.

A competência do STJ para julgar essa ação reflete a importância e a complexidade do papel que a Corte Cidadã desempenha na uniformização da interpretação das leis federais, incluindo as normas tributárias. Ao centralizar a jurisdição sobre esses casos, o STJ buscará garantir uma aplicação uniforme e coerente do direito tributário em todo o país, minimizando divergências entre tribunais e promovendo maior estabilidade e previsibilidade no ambiente jurídico.


Por outro lado, a nova competência estabelecida pela EC 132/23 ao STJ — processar e julgar, originalmente, os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, relacionados ao IBS e a CBS — parece conflitar com a competência originária do STF prevista no artigo 102, I, “f”, da CRFB/88. Esta sobreposição de competências certamente será alvo de debates e questionamentos no âmbito do contencioso tributário.

Demarcados os pontos controvertidos, este artigo buscará analisar a criação da ADL, a atribuição de competência ao STJ para seu julgamento e a nova competência instituída pela reforma tributária que pode conflitar diretamente com o STF.

Apesar de serem passos significativos para o aprimoramento do sistema jurídico brasileiro, almejando uma administração tributária mais eficiente e equitativa, a possível sobreposição de competências com o STF e a complexidade inerente às novas regras podem gerar um ambiente de grande insegurança jurídica tanto para os contribuintes quanto para a administração tributária.

Spacca
Ao alterar a competência tributária, a reforma tributária modificou, também, a forma de jurisdicionalizar os conflitos na matéria. De início, a EC 132/23 já atribuiu ao Superior Tribunal de Justiça o papel de órgão judiciário responsável por dirimir os conflitos entre os entes federativos envolvendo o IBS e a CBS, na forma do artigo 105, I, “j”, da CRFB/88:

Ocorre que o Código de Processo Civil (CPC) já estabelece instrumentos para mitigar a proliferação de decisões conflitantes, adotando um sistema de observância obrigatória de precedentes. Esse sistema tem mostrado resultados positivos, especialmente em relação aos recursos especiais repetitivos e à repercussão geral.

Sobreposição de competências
Se, por um lado, trata-se de uma atribuição jurisdicional de grande importância, visando assegurar a defesa da federação e, por conseguinte, a preservação da autonomia administrativa e financeira dos entes federados, por outro lado, a concessão de uma nova competência ao STJ cria uma nova controvérsia, eis que pode entrar em conflito com a competência originária do STF.


Uma vez que a Constituição estabelece expressamente que o STJ irá “processar e julgar originariamente, os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, relacionados aos tributos previstos nos artigos 156-A e 195, V” , cabe refletir sobre o possível conflito de competência com o STF.

Nada obstante a intenção do legislador em reduzir as futuras discussões judiciais por meio da criação de uma nova competência para o STJ, a problemática reside na sobreposição com a competência originária do STF, assim prevista no artigo 102, I, “f” da CRFB/88, que atribui à Suprema Corte o julgamento de “causas e conflitos entre a União e os estados e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, incluindo as respectivas entidades da administração indireta”.

Embora o STF tenha afirmado que “a mera disputa tributária entre os entes políticos não é suficiente para desestabilizar o pacto federativo, não atraindo, portanto, a competência prevista no artigo 102, I, ‘f’, da Constituição” (ACO nº 3.324, rel. min. Edson Fachin, Pleno), surge a dificuldade em se definir quais discussões serão julgadas pelo STJ e pelo STF.

A redação de ambos os dispositivos constitucionais nos parece próximas demais, para não dizer similares, causando um limbo de indeterminação tanto para os contribuintes quanto para a administração tributária. Distinguir e definir qual tribunal será o competente para analisar os conflitos entre os entes federativos representa mais um desafio da reforma tributária a ser enfrentado no futuro.

Nas palavras do ministro Gilmar Mendes: “a reforma tributária é uma aprovação histórica, que institui uma nova forma de federalismo”. Antecipando a ampla gama de possíveis questionamentos judiciais sobre a nova legislação decorrente da reforma tributária, o governo federal, por meio do ministro da Fazenda, propõe a criação da ADL. Esta ação seria destinada a concentrar no STJ a solução de casos envolvendo atos normativos ou a interpretação de leis nacionais relacionadas à CBS e ao IBS .


Caso a proposta de emenda constitucional seja aprovada, o STJ passará a desempenhar um papel de controle abstrato e concentrado da legalidade das leis nacionais e atos normativos. Esse movimento visa, sobretudo, controlar e reduzir a proliferação de demandas judiciais.

Contudo, mesmo com a criação da ADL, este instrumento processual não resolverá o principal problema da judicialização do sistema tributário, que é a adequação da legislação à Constituição, competência que cabe ao STF.

Além disso, outro aspecto que merece ser destacado em relação à instituição da ADL é a exclusão da participação do contribuinte na formação do convencimento da Corte Cidadã. A ausência de um mecanismo que permita aos contribuintes apresentar suas perspectivas e argumentos pode comprometer a legitimidade e a efetividade das decisões, uma vez que a visão daqueles diretamente afetados pelas normas tributárias é essencial para um julgamento equilibrado e justo.

Isso porque instrumentos como a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), por exemplo, são utilizados para levar temas relevantes diretamente ao STF, sem a necessidade de percorrer todas as instâncias judiciais e sem gerar milhares de processos idênticos. Por meio desses instrumentos processuais antecipa-se a análise do tema (que levaria anos) pela Suprema Corte que proferirá a decisão final.

O caso da ADL seguirá o mesmo raciocínio. Ao invés de a discussão chegar no STJ após longos debates travados nas duas instâncias inferiores, período no qual o tema em discussão tem a oportunidade de amadurecer com a participação das partes e dos magistrados, o processo será iniciado e finalizado diretamente no mesmo órgão julgador.


É inegável que a ADL tem o mérito de buscar a unificação imediata do entendimento jurisprudencial sobre determinada matéria tributária, o que, em teoria, proporcionaria maior segurança jurídica para todos. No entanto, é importante ponderar essa segurança pretendida com o risco de criação de precedentes vinculantes de forma precipitada e sem representatividade adequada, uma vez que não contarão com a participação efetiva das partes envolvidas, mas tão somente via amicus curiae e possíveis audiências públicas.

A reforma tributária representa, indubitavelmente, um avanço significativo na modernização do sistema tributário brasileiro, com o objetivo de aprimorar a eficiência, a transparência e a justiça na administração tributária.

A atribuição ao STJ da competência para julgar conflitos entre entes federativos e o Comitê Gestor é um passo importante para a uniformização e estabilidade do entendimento jurídico. Contudo, a sobreposição com a competência originária do STF levanta questões sobre a definição clara das jurisdições e a potencial duplicidade de competência.

Quanto à criação da ação declaratória de legalidade com o objetivo de promover uma resolução rápida e concentrada dos litígios tributários, também surgem grandes desafios. Dentre eles, destaca-se a possibilidade de criação de precedentes vinculantes sem a participação direta e efetiva das partes envolvidas e de forma prematura.

Portanto, enquanto a reforma tributária busca criar um ambiente mais seguro e previsível para os contribuintes, é crucial que se enfrente a complexidade das competências judiciais e se assegure a adequada participação dos interessados no processo decisório. Somente com a harmonização das atribuições do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, além da promoção de um debate amplo e representativo, será possível atingir o equilíbrio entre agilidade e justiça, promovendo um sistema tributário mais justo e eficaz.

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